quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ao revés do tempo

- Que horas são, moça? - ele perguntaria tão timidamente.

Sem resposta.
"Nossa, custa interromper a conversa por dois segundos?". Questionar-se-ia. Seria assim tão inconveniente? Acharia que não. Estações de trem seriam sempre movimentadas, barulhentas e verdadeiramente cheias, mas esta estaria silenciosa. Olharia o velho relógio. 16h12. Parado.

- Muito obrigado, moça. Por nada! - acrescentaria.

Passaria, então, a andar a esmo. Levemente, deslizaria pelas plataformas, a procura de algum indício de tempo, sem sucesso. Observaria aquele local em detalhes. A sua direita, a bilheteria, ao fim de um amplo corredor. Seus funcionários, quase como robôs, trabalhariam a um compasso binário, cuja contagem exalava tédio. Os pisos enladrilhados, próximos à bilheteria, chamar-lhe-iam a atenção, pela surpreendente polidez. A sua esquerda, alguns cafés, umas poucas pessoas sentadas. Um pouco mais afastada, uma revistaria. Títulos conhecidos, porém atrasados. "É, apenas esperar", constataria o homem.

Maquinalmente, o relógio seria consultado por 5 vezes, nos próximos 23 minutos. Ele lembrar-se-ia da vez em que caíra na piscina, na casa da vó Alice; ou, ainda, quando moleque, de Amanda, aquele casinho de amor; das corridas com Dinamite, o pastor alemão, e das missas no velho televisor com, provavelmente, um pouquinho de Bom-Bril na ponta na antena. Caso se lembrasse de Milena, esboçaria um sorriso. E, assim, sorriria para a vida. "Milena...", pensaria. E, rapidamente, desfocaria os pensamentos.

- É o trem, que espera? - o guri despertar-lhe-ia de súbito.
- Pois não?
- É o trem que o senhor anda esperando?
- Se é. - responderia, alocando um tom de simpatia - Ele anda demorando.
- Ou é o tio que anda vindo cedo.

O homem parou. Olhou por um instante a sua volta. Algo parecia fora do lugar.

- Você tem as horas, guri? - perguntou observando-o fixamente.
- E quem não tem, tio? - responderia o guri, erguendo o pulso esquerdo e deixando a vista o relógio. - Está a desmanchar, vê?

"Sim, eu vejo!". Os ponteiros do relógio escorreriam lentamente, quase como se parados no tempo. E, parado, ficou o homem, estático, sem acreditar. "Os ponteiros estão derretendo...". Ao seu redor, ainda poucas pessoas. Ficavam a conversar suas amenidades, realizar suas despedidas e recepcionar os seus chegantes.

- E como anda o do tio? - o homem não queria encarar o guri.
- O quê do tio? - replicou o homem, incomodado.
- O marcatempo - diria o guri, cujos lábios ensaiariam um esboço de sorriso.

Antes mesmo de saber, o homem já sabia. Há muito haveria o seu relógio parado; seu uso teria se esgotado, quase como o próprio tempo. Porém, ao invés do normal, ao estender o braço, os ponteiros não mais lhe obedeciam, giravam ao contrário, ao revés do tempo. 16h03. O homem sentia-se andando para trás; o guri ver-lhe-ia de forma diferente.

- O tio precisa de mais tempo, não é? - acalentar-lhe-ia o sorriso do guri. O homem, sem defesas, surpreendeu-se com as poucas lágrimas inquilinas de seus olhos. Com um rápido suspiro, mandou-as embora.
- É, o tio precisa, guri.

O silêncio compartilhado entre os dois vagarosamente cedia lugar aos zumbidos do trem que se aproximaria, distante, na plataforma. Arrastar-se-ia pelos trilhos, juntando multidões em silêncio. Enfim, parado. O homem observou o guri e, ensaiando uma despedida, aproximou-se para um abraço.

- Adeus, tio.
Por um instante, o homem parou. "Adeus. Então é assim." O trem começaria os seus primeiros movimentos.
- Adeus, guri.

E, antes que o homem pudesse entrar no vagão, o guri agarrou-lhe o bilhete da mão, e enfiou-se no interior do trem, já em leve movimento. Incrédulo, o homem ainda tenta correr uns três, dez, vinte metros, atrás do trem em movimento, mas inutilmente. Arfando, ele apoia-se nos joelhos para recuperar o ar, mas algo toma-lhe novamente a atenção:

- O tio precisa de mais um tempo! - gritar-lhe ia o guri de uma das janelas - Então, toma-o, mas que seja seu! - e sumiria junto ao trem no horizonte.

Ainda ofegante, sem compreender muito bem, o homem observava o trem afastando-se mais e mais veloz. No meio da barulhenta estação, ao encontrar a saída, o homem vislumbra mais uma vez aquela estação. Fazia sol do lado de fora. 16h27, marcava o seu relógio.









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