terça-feira, 11 de agosto de 2009

O Riso do Louco

"Para, delícia! Não, não faz assim, eu não resisto...! Assim você quer me deixar maluco!"

E ela conseguiu.
João não mais se considerou, desde então, um homem normal. Ele precisava dela. Precisava como nunca precisou de nada em sua vida. Oxigênio, comida, que importavam? Não importavam, nada. Isso não era normal. E preocupava João. Muito.

"Por favor, me dá um beijo. Só um... Depois de tudo, amorzinho, nem um só? Não faz isso..."

Por quê?! Era só um beijo! Um! Rápido e indolor. Sem pouca, sem muita língua, era só um beijo pra ele poder chamar de seu. Era só o tocar de lábios diferentes... Era... Era tudo para João, coitado. A única coisa que ele não conseguiria arrancar daquela mulher.

"Sabia que hoje é meu aniversário? É verdade! E eu os deixei lá, vim te ver. Não acha que eu mereço um prêmio?"

Não que fosse a intenção de Rosana, mas ela conseguiu deixar João maluco. Não era algo penoso para ela; não era algo com que se importar. Era apenas o João. O João de sempre, dizendo as besteiras de sempre, pagando o preço de sempre e nada mais. Era tudo como de costume. E, de repente, ela o enlouqueceu.
Na verdade, não foi ela, foi tudo nela. O jeito, o cabelo, busto, o sexo. Tudo, tudo nela enlouqueceu João de diversas formas, mas loucura nenhuma foi tão intensa quanto a causada pelo beijo. Não pelo beijo, pelo não-beijo. Isso o corroía! Era a única coisa intocável naquela mulher: os lábios - cada vez mais sagrados para João.

"Eu descobri o que é felicidade, sabia? E descobri que ela custa caro... Sem ofensas, amor! Mas, obviamente, vale a pena. É a felicidade, sabe? Ou pelo menos, parece com ela..."

O parecer era o problema. A ilusão que ele causa. A irrealidade. Esses eram os problemas enfrentados por aquele homem cego.

"E eu descobri também que, na vida, tudo tem um tempo. E nós temos que perceber quando o nosso tempo está perto do fim, sabe Rosana?"

Coitada... Temia pelo pior. Pelo seu pior.

"Então, eu quero o seu beijo."

E dessa vez, a persuasão era mais forte. Não era por meio de lábios, e sim, de punho. De punho armado, ameaçador. As lágrimas de Rosana não lhe incomodaram. O tempo corria e ele precisava saciar aquele desejo que ardia-lhe o peito. Rosana, temerosa, aproximou-se, olhou no fundo dos olhos de João procurando algum resquício de sanidade, e encostou seus lábios trêmulos nos sedentos de João. Sentiu-o como nunca antes. Como nunca desejou e com a raiva de quem recusa todo o dinheiro do mundo para não sacrificar sua casta boca.

O beijo terminou e ela afastou-se de seu admirador. A expressão dele era confusa. Seus olhos fitavam a mulher intensamente, em cada centímetro de seu corpo escultural. Maquinalmente, seu braço começou a estender-se, apontando o revólver na diração da outra. Com a arma em riste, apontando para o rosto desesperado de Rosana, João apertou o gatilho.

O riso dominou o aposento. O homem só conseguia rir. Rir e voltar a apertar o gatilho para confirmar a falta de balas no revólver. Loucamente, seu riso espalhava-se pela noite.

A passos largos, Rosana percorria o corredor, desejando livrar-se daquele trauma e daquele homem obcecado. Subitamente, parou. Olhou ao seu redor e ouviu, apenas em sua mente, o riso do louco. Apertou o passo, desceu rapidamente as escadas e cruzou o hall do motel como um furacão. A cada instante que parava, ouvia, macabramente, a risada ecoando pelo breu, martelando-lhe a sanidade - se ainda houvesse alguma.

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