sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Não só o Amor - Parte 3


CENA 8 – Pedro em casa. Ele está arrumando umas telas. Fica, durante algum tempo olhando para uma tela de Laura.

PEDRO – Por quê? Por que você apareceu na minha vida da forma mais louca possível? Por que você demorou tanto? Como você mexeu comigo... Como você me fez perder o controle...! Laurinha... Por quê...?

Ele encosta a tela na parede, e continua a arrumação. Vê a sua camisa xadrez no chão. Pega-a para colocar no lugar e a pílula cai no chão.

PEDRO – O que é... A pílula? A pílula da Raquel?! Ela não tomou?! Caralho, o que ela ta pensando?! Meu Deus...! E se ela... Não, Pedro... Não... Isso não vai acontecer... Ela não pode estar grávida, não pode! Ela não ta... Piranha! (pega o telefone, tenta falar com ela, mas não consegue) Porra! Meu Deus, era o que me faltava agora... Mulher louca...!

Toca a campainha. Pedro atende. É Raquel, com olhos cheios d’água e um sorriso no rosto.

RAQUEL – Eu tenho que...
PEDRO – Você pode me explicar o que é isso aqui?! (mostra a pílula).
RAQUEL – Pedro, eu...
PEDRO – Como você faz isso comigo?! Você ta maluca?! Você quer dinheiro?! O que você quer com isso?!!
RAQUEL – Eu te amo...!
PEDRO – Mas eu não te amo!
RAQUEL – Mas vai amar!
PEDRO – Você ta maluca?! Você escuta o que você ta falando?! Se você me ama o problema é seu, mas você não pode colocar a minha vida em risco dessa forma!
RAQUEL – Você acha que é isso que eu quero?! Acabar com a sua vida?! Eu te amo, Pedro, eu quero passar a minha vida com você...!
PEDRO – Você ta maluca! Sai da minha casa! Sai daqui, Raquel, você enlouqueceu!
RAQUEL – Você vai me amar, Pedro... Você tem que me amar! Eu só queria um filho seu...!
PEDRO – Um filho meu pra que, Raquel?! Pra dizer que é seu?! Pra dizer que você tem alguma coisa minha?!! Um substituto do meu amor?! PRA QUE?!!
RAQUEL – PRA VOCÊ ME AMAR!
PEDRO – EU NÃO TE AMO! E NÃO VOU TE AMAR! EU ME RECUSO A TE AMAR!
RAQUEL – Ah, é?! (mexendo na bolsa, a procura dos exames) Então vai amar o seu filho!



No fundo do palco, a luz se acende e está Laura posando. A cena de Pedro e Raquel para, congela na penumbra.

LAURA – Dessa vez você vai conseguir terminar, Henrique, eu prometo. Na verdade, eu já tomei uma decisão sobre toda essa montanha-russa... É estranho como coisas simples podem mudar completamente a nossa vida, e o nosso pensamento... Como o amor pode nos tomar completamente (põe as mãos na barriga)! Hoje eu vejo que há muitos tipos de amor...! Eu acho que amo essa criança como nunca amei ninguém... É um amor diferente, um amor que você dá sem esperar nada em troca, mas sabe que terá. Eu já tomei a minha decisão...

A luz se apaga, e Laura volta a sumir. Raquel entrega o exame. Pedro o pega, e fica estático. Começa a esboçar reações de muita raiva.



PEDRO – Isso não é verdade...! NÃO É VERDADE! É mentira, você está fingindo! Você vai fazer outro exame!
RAQUEL – Quantos mais você quer que eu faça? (Pega uma sacola em sua bolsa) Eu fiz seis, Pedro! Seis exames! Eu to grávida! (mostra os outros exames a ele).
PEDRO – Você fez de propósito! Você acabou com a minha vida! Sua infeliz! Como eu vou sustentar um filho, Raquel, eu sou pintor, não sou milionário!!!
RAQUEL – Nós vamos criá-lo, meu amor... Você vai ver, ele vai ser a sua cara!
PEDRO – Como você faz isso com a Laura?! Ela te ama!
RAQUEL – Eu não quero falar nela...
PEDRO – Quando eu te amava, você me trocou por ela, e agora, que ela te ama, o que você faz? Você quer trocá-la por mim! Você é uma destruidora, Raquel! Uma destruidora infeliz!
RAQUEL – Pode me chamar do que quiser... Mas eu ainda tenho o seu filho, Pedro. E uma hora você vai ter que me amar...
PEDRO – (maquiavélico) Só porque você tem um filho meu?
RAQUEL – Uma criança pode mudar muita coisa, Pedro. Você vai ver.
PEDRO – (maquiavélico) Até agora eu não senti muita coisa mudar... A não ser a barriga da Laura. (Raquel fica estática) É isso aí, Raquel. Lembra do incidente? Da precaução? Por que você acha que agora eu tenho um estoque de pílulas do dia seguinte?! Algumas coisas fogem do controle, Raquel...!
RAQUEL – Não... Não! A LAURA NÃO! PORRA!
PEDRO – Ela está grávida, Raquel! Ela tem um filho meu! MEU! Você não é nada especial, Raquel! É UMA DESTRUIDORA! UMA INFELIZ! E quer saber? Foi muito melhor com ela...
RAQUEL – CRETINO!!!

Raquel parte pra cima dele, aos gritos e em prantos.

RAQUEL – (enlouquecida) Seu cretino! Seu viado! Eu te odeio! Eu te odeio!!! (Pedro a empurra para longe) Você vai me amar! Você vai ver! VAI ME AMAR E EU NÃO VOU TE QUERER MAIS!
PEDRO – Sai da minha casa, sua maluca!
RAQUEL – NÃO! Eu quero viver aqui, te amando, te odiando, meu Pedro!! Eu quero acordar do seu lado a cada manhã! Eu quero posar pra você todos os dias! Eu te perdôo, querido, te perdôo, ela te seduziu não foi?! NÃO FOI?! (vê o quadro de Laura) Foi esse o quadro que você pintou quando ela deu pra você?! (pega o quadro)
PEDRO – Larga isso...
RAQUEL – Ah, foi esse...! Olha, como ela está linda...! Como está austera, imponente! Se oferecendo pra você como uma puta! Uma vadia! Pois é isso que ela é, uma piranha! PIRANHA!
PEDRO – Para!!! Larga isso!

Pedro corre atrás dela. Ela se esquiva, pega um estilete, sobre a mesa e começa a furar o quadro na barriga.

RAQUEL – (enlouquecida) Olha o que eu faço com ela, Pedro! Com a sua queridinha Laura e o filho de vocês! Olha, Pedro!!
PEDRO – PARA!

Pedro dá um tapa nela, que cai no chão, chorando. Pedro pega o quadro e olha para ele entristecido.



A luz do fundo volta a se acender. Aparece Laura, ainda posando.

LAURA – Você pode colocar um sorriso, Henrique? Como uma recordação...? Eu queria que você desse esse quadro à Raquel. Você se importa? Eu o compro de você, o preço que for. Mas quero que ela tenha esse quadro. O último.

A luz volta a iluminar Pedro e Raquel, mas não omite Laura.



PEDRO – Sai daqui agora.
RAQUEL – (em prantos) Como você faz isso comigo...?!


LAURA – Esse é o meu último quadro, Henrique. Eu vou embora... Eu percebi que durante toda a minha vida eu fui coadjuvante na história dos outros. E agora, com esse filho, eu vou começar a minha história, entende? O Pedro me magoou muito, tentando me fazer abortar... Foram alguns anos de amizade já que ele sempre foi muito ligado à Raquel... Por isso, eu acho que eles ficarão bem. O dia em que eu posei pra ele e acabou rolando... Foi bom. Eu me senti amada, sim, de verdade. Mas eu acho que não adianta... Eu amo a Raquel, e sei que ela ama o Pedro. Já está bem nítido... São as coisas que não podemos controlar, ou esconder.


RAQUEL - Eu te amo, eu sempre te amei, Pedro... Desde antes de conhecer a Laura, ela... Foi só uma distração, um hiato no meu amor por você...! Eu te amo... (chora, arrependida)
PEDRO – Sai da minha casa...
RAQUEL – Eu te amo...! (para si) Deus! Por que...? Por que sou eu que te amo e ela que vai ter o seu filho...?! Por que ela...?! Por quê?!
PEDRO – O que? Ela? E você...?
RAQUEL – (chorando muito) Eu? O que sou eu pra você...? Agora se importa comiga...?
PEDRO – Para com essa merda, você ta ou não está...
RAQUEL – Eu não to grávida, Pedro! Era isso o que você queria ouvir?! Os exames não são meus... Eu só queria me sentir amada por você... Tem coisas que não podemos controlar, Pedro...
PEDRO – A loucura.
RAQUEL – Me perdoa... Eu te imploro, me perdoa...


LAURA – Eu a perdôo. Não sei se ela me perdoa por ter mexido com o coração dela daquele jeito... Com a sexualidade, com o amor dela... Eu não sei se ela me perdoa, mas eu vou sempre amá-la. Acho que ela e o Pedro. O amor dele me tocou de uma forma...! Inesquecível... São os tipos de amor, entende? O amor é universal, Henrique... E é lindo... Apesar do que o Pedro me fez, eu ainda consigo amá-lo... Apesar da Raquel não me amar mais, ou... Até mesmo ter brincado comigo – ela sempre amou o Pedro – eu ainda a amo. E amo, além de tudo, esse filho. Esse filho, motivo de tantas discórdias, de mexer tanto com as nossas vidas, eu não consigo odiá-lo... Não consigo não gostar dele... Tudo seria tão mais fácil se eu não o amasse... Mas seria, certamente, mais errado... Eu o vejo como a minha solução. A coragem que eu nunca tive. Agora eu to pronta, Henrique. Pra recomeçar do zero. Levando nada, a não ser um desmedido amor. Ficou pronto? Deixa eu ver.

Laura caminha em direção ao proscêncio, a luz abaixa e ela sai.

PEDRO – Eu vou ver a Laura.
RAQUEL – Eu vou com você.
PEDRO – Não.
RAQUEL – Por favor, Pedro. Eu to arrependida... Eu te amo, te amo demais... Eu perdi o controle. Me perdoa, por favor.
PEDRO – Eu to indo. (sai).
RAQUEL – Pedro...! (sai atrás dele).



CENA 10 – Laura vestida, em seu apartamento com sua mala ao seu lado.

LAURA – Pronto. É melhor eu ir logo, não estender mais as despedidas. (ela olha o quadro, com carinho) Ficou lindo. O Henrique é um gênio. E foi uma graça ter me dado de presente. Bem, é hora... (pega um pilot e escreve sobre a sua barriga, na pintura) “A dois dos meus maiores amores. Cada um no seu tipo. Eu amo vocês, sempre amarei e sempre amaremos... Eu, Laura e... E, se for menino, Pedro, ou, se for menina, Raquel. Há coisas que não podemos controlar: o destino.” (vai colocar o quadro no lugar, mas se lembra de algo. Escreve) Pronto.

Ela deixa o quadro, pega sua mala, olha por última vez o apartamento e sai. Faz um percurso pelo palco, desce para o público, como se estivesse saindo do apartamento. Não chega a sair de cena, entram Pedro e Raquel, por um outro lugar, como se não cruzassem com Laura.

PEDRO – Laura? Laura?!
RAQUEL – (vê o quadro, muito emocionada) Pedro.
PEDRO – (chega perto e lê o recado) “A dois dos meus maiores amores. Cada um no seu tipo. Eu amo vocês, sempre amarei e sempre amaremos... Eu, Laura e... E, se for menino, Pedro, ou – se for menina – Raquel. Há coisas que não podemos controlar: o destino. P.S.: Pedro, apesar de tudo, tudo o que a Raquel fez, te abandonando, ficando comigo, saiba: ela sempre o amou. E sempre amará. Há coisas que não podemos controlar.”.
RAQUEL – (muito comovida) Laura...
PEDRO – (abraçando Raquel, paternalmente) Ela fez a escolha dela.
RAQUEL – A escolha certa.
PEDRO – Vamos embora.
RAQUEL – Espera um pouco. Deixa eu me despedir...

Raquel senta-se no sofá, num lado do palco, chorando e sorrindo, olhando o quadro. Pedro acende um cigarro, e chora em silêncio. Laura, no outro canto do palco, chora alegremente, com as mãos na barriga. Enquanto isso, escuta-se uma gravação com as vozes dos três em off, e a luz cai lentamente, assim como a cortina se fecha.

PEDRO – Há coisas que não podemos controlar...
RAQUEL – O amor...
LAURA – Não só o amor...
RAQUEL – O instinto...
PEDRO – Não podemos controlar...
RAQUEL– A loucura...
LAURA – A saudade...
RAQUEL – A dor...
PEDRO – Não só o instinto...
LAURA – Não podemos controlar...
PEDRO – O pesar...
RAQUEL – Não só a saudade...
LAURA – O destino
PEDRO – Não podemos controlar...
RAQUEL – A sorte...
PEDRO – A morte...
LAURA – O desejo...
RAQUEL – Não podemos controlar...

Fim


Matheus Marques

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