sábado, 8 de maio de 2010

O rapaz do fone e lágrimas (fragmento)

Subiu as escadas em direção ao terraço. Sentiu o vento frio recepcionar sua chegada. Ventava forte e o céu estava escuro na sua maioria. Seus passos trêmulos o locomoviam devagar, uma mistura de medo e frio. Enquanto se afastava cada vez mais da porta, sentia uma estranha sensação de liberdade e... Uma mais estranha ainda felicidade! Ele não conseguia explicar... Era como se a sua tristeza tivesse alcançado o seu ápice, e agora, em seus últimos minutos, se transformado num sentimento de confusa alegria; uma tática da loucura e do desespero para lhe dar mais certeza e vontade, pois agora era o que restava: certeza, coragem e saudade. Muita saudade das bochechas ruborizadas, cuja felicidade dependia do outro, estava além do fone e da lágrima.

Ao fundo daquela cena, ao final da linha do horizonte, o sol parecia lutar contra as nuvens que fechavam o céu. Em breve, o tempo mudaria. O tempo lá fora; o lá dentro não. O fone tocava a vinheta da certeza e as lágrimas já haviam secado. Nada mudaria.

- Para!

Nada?

Aquela voz que sempre ressoava através dos fones. Que, diluída nas lágrimas, atingiam o íntimo do rapaz. Aquela voz viera.

- Não faz isso...

As suas bochechas não estavam ruborizadas. A sua face não estava tranqüila. Seus cabelos eram levados pelo vento. Seus olhos afogados suplicavam. Ele se virou. Um filete de água descia do seu olho esquerdo em direção a sua boca. Ele encarou-a sorridente. Viu a pena no olhar dela. Ela se aproximou do parapeito, onde ele estava em pé, sem tirar seus olhos dos dele. A menina das bochechas ruborizadas estendeu-lhe a mão e o trouxe para perto de si, tirando-o do degrau. Diante dela, percebeu: a distância nunca foi tão pequena e tão enorme. Lágrima rolou pela face não mais ruborizada.

- Não vale a pena. Eu não valho a pena... – A boca vacilante quase implorava. O rapaz apenas a observava, com mesmo sorriso indecifrável. Ela o olhava apenas nos olhos; ele buscava cada centímetro do rosto amado; buscava fixá-lo para não esquecê-lo. Acarinhava a pele dela; sentia o seu aroma... E espremia seus cansados olhos para prender em sua mente as lembranças felizes. As mensagens, as músicas, até as lágrimas.

A dor do rapaz foi percebida pela menina, que levantou a sua mão e a conduziu ao rosto dele. Rápido e indolor, ele afastou-se para trás, e ela, insistentemente, foi ao seu encontro. Agora, quem olhava fixo era ela, com ambas as mãos no rosto dele, as lágrimas soltas em seu rosto e um crescente desespero em seu peito, ante a possibilidade de acontecer o que tudo indicava.

- Por favor. Por favor...! – ela tentava – Olha pra mim.

E os olhos abriram-se e a viram como nunca antes. Ela implorava. Implorava com todas as suas forças. Implorava covardemente com artifícios mais que tentadores... As bochechas, a boca, os olhos...! Suas feições ajoelhavam-se aos pés dele. Ele sabia. Só havia mais uma saída, uma saída covarde. Os olhos estavam decididos. O sorriso já havia desaparecido. Havia apenas mais um teste, uma última prova cuja reprovação decidiria o desfecho daquela tarde. Ele a olhou fixamente, e, assim, curvou suavemente sua cabeça na direção dela; seus olhos se encontravam, seus rostos se aproximavam, e suas bocas quase se tocaram, antes da menina esquivar seu rosto e, em vez de lábios, oferecer bochechas, novamente ruborizadas.

Reprovação.

- Adeus... – sussurrou-lhe aos ouvidos, com todo o carinho que conseguiu transmitir.

E num mergulho para trás, o rapaz do fone e lágrimas jogou-se no mar salgado de todo o seu amor, para nele se afogar. O grito da menina de bochechas ruborizadas ficava mais e mais distante, até tornar-se inaudível no limite entre a vida e a morte. Nem mais uma lágrima. Os olhos secaram, inertes, presos num infinito atemporal. A música continuava a tocar, ainda melancólica, repetindo ao mundo a sina daquele rapaz. E continuava suave enquanto as pessoas se aproximavam. E continuava lasciva enquanto a menina amada se ajoelhava. E continuava sublime enquanto ela cerrava os olhos secos e ainda indecifráveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário